Um lugar para escutar o
que ainda não virou palavra

Estou escrevendo um romance e, desde já, sofro por causa do final.

Não escrevi nem metade da história, mas às vezes acordo no meio da noite pensando: como termina Josefa Bòrógòdó?E mais: como é que eu vou conseguir deixar essa mulher ir embora? Não sei.

E esse não saber me inquieta. Me puxa para armadilhas conhecidas: o excesso de controle, a ansiedade do texto perfeito, o medo de errar justo no último gesto. É como se, em vez de escrever o caminho, eu quisesse antecipar o desfecho — como se um livro bom fosse aquele que já nasce sabendo para onde vai.

Mas algo em mim mudou. Porque, dessa vez, eu tenho dormido.

Não durmo para fugir do romance. Durmo para escutá-lo em silêncio.

Enquanto estou acordada, a história pede decisões: que rumo ela toma, o que acontece com tal personagem, o que revela o parágrafo final. Mas quando eu durmo, tudo se alarga. A urgência desaparece. E, no escuro, é como se Josefa respirasse por conta própria, longe dos meus dedos.

Ainda não sonhei com o fim. Nem com o meio. Mas o corpo descansa, e quando o corpo descansa, algo no livro se reestrutura. Sem que eu veja, sem que eu saiba, sem que eu precise resolver nada agora.

É estranho dizer isso, mas comecei a confiar no sono como parte da escrita.

Não o sono romântico da epifania onírica, mas o sono cotidiano, profundo, aquele que desliga o mundo e deixa a cabeça em paz. Esse sono tem me salvado. Ele não exige que eu resolva a história, ele só me devolve o fôlego de continuar.

E isso é fundamental porque se alinha com a decisão que tomei em 2022: “Eu não quero mais ser a escritora exausta”. Você sabe do que eu estou falando. Aquela que sacrifica o corpo no altar da literatura, que vira noites tentando alcançar uma linha que escapa.

Hoje, acredito que a boa escrita não vem do esgotamento, vem da escuta. E a escuta precisa de repouso. Precisa de boas noites de sono.

Josefa vai me contar o final dela quando estiver pronta. Até lá, eu sonho e ronco.

E deixo que o livro me escreva enquanto eu durmo de boca aberta.

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