Às vezes, escrevo melhor depois de esvaziar uma gaveta daqui de casa. Em algumas delas acumulo objetos quebrados, papéis que não servem mais, coisas que um dia poderiam ser úteis, mas nunca foram.
É simbólico. E é real.
Nos últimos tempos, tenho feito limpezas assim: tiro o que não cabe mais, o que já cumpriu seu papel, o que ficou apenas como peso. Às vezes é um casaco antigo. Às vezes, uma ideia.
Sim. Uma ideia. A mente que escreve também se entulha. Às vezes de referências demais, outras de compromissos que não são nossos, tem umas vozes que não nos pertencem, uns papeis com promessas que fizemos a versões antigas de nós mesmas. Com tanto entulho a gente não consegue mais se encontrar dentro dessa gaveta quando vai procurar algo.
Ela está cheia demais para nos acolher. Então eu esvazio. Apago parágrafos. Desisto de projetos. Fecho portas. Afasto pessoas.
Parece radical. E talvez seja. Mas percebi que para continuar escrevendo, preciso de espaço. E espaço não é só tempo livre na agenda. É presença limpa. É ter onde a nossa presença com nossa ideia possa pousar.
Já aconteceu de eu apagar trinta páginas inteiras de um manuscrito por sanidade. O texto estava sufocado. Tinha estrutura, tinha linguagem, mas não tinha respiro. Mas tinha a mim. E, naquele momento, apagar foi um gesto de afeto comigo, com a história e Com a escrita que ainda viria.
Escrever é também fazer lugar. E ninguém habita uma casa sem lugar para sentar. Sem ar, sem chão, sem vazios. O vazio, aliás, é o que permite que a história tenha por onde entrar.
Hoje em dia, escrevo com menos ruído. Com menos certezas. Com menos frases por dia. Mas com mais espaço para que a palavra me atravesse.
Antes de abrir janelas, esvaziei a sala inteira.
Só então a história sentou no sofá.
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